xoves, 9 de outubro de 2014

"Imprensa para mulheres - imprensa de mulheres: duas ideias brevíssimas", de Óscar Valadares

Grabado Circe, de Giovanni Benedetto Castiglione (1650)
Primeira ideia: não há colectivo social sem comunicação. Podem existir grupos de debate, até grupos mobilizados e mobilizadores, mas quem procure incidência social tem necessariamente de espalhar os seus debates ao conjunto. Tal tarefa não é possível sem comunicação, sem o que os partidos e as organizações clássicas do marxismo chamaram órgãos de expressão. Os feminismos e os colectivos LGBTI sabem disto e nos últimos anos têm posto em andamento um bom número de iniciativas comunicacionais polo mundo adiante — também na Galiza — combatendo por essa via a subalternidade dos seus próprios debates, amiúde injustamente submetidos e secundarizados em relação aos debates principais das organizações políticas e sociais em que a maioria dessas pessoas também militam. Mas não só.  As novas publicações destes coletivos têm, de modo fundamental, a virtualidade de se opor à tradicional imprensa vocacionada para a mulher, subvertendo, pola base, o conceito mesmo de “imprensa para mulheres” e todo o que isso implica direta ou indiretamente.

É necessário notá-lo: a imprensa para mulheres não deixa de ser, em todo caso, imprensa capitalista. Tem por objetivo vender produtos, colocando-os na retina de públicos identificados como alvo. Não é casual que na “imprensa para mulheres” não se publicitem carros, mas cosméticos, como tampouco é por acaso que os exemplos de “mulheres de sucesso” sejam sempre umas poucas empresárias e as escassas mulheres que povoam conselhos de administração de grandes transnacionais, nem tampouco que a mensagem seja sempre “o que nós, mulheres, podemos fazer dentro do sistema machista” e nunca “os motivos polos que nós, mulheres, somos oprimidas polo sistema machista”.

Constatar esta situação, essa ocultação propositada da realidade, equivale, pois, a constatar que a propriedade dos meios de comunicação “para mulheres” reproduz neles exatamente os mesmos padrões ideológicos que lhe são caraterísticos, todavia com especial virulência. E ninguém duvida que os padrões ideológicos das oligarquias que possuem os meios de comunicação — também aqueles produzidos “para mulheres” — passam hoje, como ontem, pola conservação da sua superioridade de género, por manter vivo o processo de “cousificação” da mulher (sugerindo falsamente, de passada, que o processo de normalização da condição feminina e das sexualidades dissidentes está já efetivizado), e por continuar recluindo em guetos de segurança as alternativas LGBTI, visíveis o suficiente para evitar críticas, mas não demasiado.

Segunda ideia: além disso, essa constatação impõe também, por fim, a necessidade de se dés-disciplinar do tipo da imprensa que a reproduz, considerando que a condição da mulher nas sociedades capitalistas não tem nada a ver com uma definição biológica ou natural, mas com uma perspectiva histórica — legível do ponto de vista marxista — que exige às próprias mulheres, como sujeito histórico, a sua ativação e organização em chave política, arredor da ideia da sua própria emancipação. E exatamente o mesmo para os coletivos LGBTI, que só nos últimos anos começaram a assumir esta exigência de modo aberto e positivo. 

A consequência prática deste novo papel é a modificação do paradigma de consumo de informação, fugindo da imprensa segmentada para mulheres e encetando o caminho da imprensa feita “por mulheres”, centrada na superação da sua condição subordinada. Evidentemente, um trabalho que não será feito sem dificuldade, a começar pola associação da comunicação militante com comunicação interessada, enquanto aos grandes meios se lhes reconhece seriedade e neutralidade; e a seguir pola ideia ainda geralizada de que essa imprensa militante, quando for opositora ao sistema, tem muito mais de exercício de histeria (sic) do que com a transcrição de debates de interesse para as maiorias sociais.

Por outras palavras, que a imprensa feminista, feita “por mulheres”, não está livre de cair na mesma subalternidade a que as oligarquias sempre quiseram reduzir o conjunto do movimento feminista. E que a única maneira de superar o ataque e desafiar frontalmente aquela imprensa que trata de simular uma normalização já efetivizada é o mesmo que hoje faz do feminismo e da militancia LGBTI um dos pólos de debate social mais ativos e interessantes da afirmação dissidente: compromisso, organização, combate.

Óscar Valadares Ocampo, militante comunista e soberanista no MGS e no BNG, é membro do Comité Galego de Solidariedade Internacionalista Mar de Lumes e faz parte do conselho editor de Contrapoder.info.

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